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Contos

Natal

Puer natus est nobis” (Is.9,5)

Lauro abandonou o “jantar de natal” antes da sobremesa. Detestou a companhia daquelas pessoas que, não tendo aonde ir, se ajuntaram naquele evento gastronômico para celebrar não se sabe bem o que. A chuva tinha cessado no final da tarde. Lauro decidiu caminhar, apesar do perigo que as ruas desertas carregam nos tempos atuais.

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Quem Quer Perder, Tá na Hora!

Hoje ele não teria grandes problemas, mas há 50, 60 anos os cartões de crédito não eram comuns, talvez nem existissem. Roberto não pegava em dinheiro. Tinha uma verdadeira fobia por qualquer contato, seja com notas ou com moedas. Quando criança desenvolveu um medo doentio por qualquer contato com coisas que considerasse sujas. Com o tempo sua mania se concentrou numa autoproibição de tocar em dinheiro.

A mãe de Roberto, Margarida, era empregada na casa dos Bialik, que vieram para o Brasil no início do século passado, fugindo da revolução comunista. Quando Margarida ficou grávida, Ninotchka, esposa do Sr. Bialik, lhe deu todo o amparo. Ao nascer, Roberto foi acolhido pelo casal como um filho e adotado alguns anos depois. A disputa das duas mulheres pelo afeto do menino acabou por torná-lo mimado. Apesar de saber que sua verdadeira mãe era Margarida, Roberto fazia tudo para se distanciar dela, de sua condição humilde como cozinheira e, principalmente como faxineira da casa.

Aos trinta anos, Roberto era franzino e pálido, jamais fitava uma pessoa diretamente. Era arredio e carrancudo e tinha o problema de pegar em dinheiro, que lhe trazia os maiores constrangimentos. Fique bem entendido que ele não tinha aversão pelo dinheiro, ao contrário, era avarento. Para conviver com esta situação, Roberto usava vários estratagemas.

Andava sempre a pé para não ter que pagar o bonde. Quando sua viagem era mais longa, pagava com um cupom, sempre novo, que Ninotchka mandava comprar diretamente na empresa.

Quando ia ao cinema, sua diversão favorita, Ninotchka colocava o dinheiro, no valor exato, dentro de um envelope. Os bilheteiros novatos estranhavam receber o dinheiro assim acondicionado, mas não diziam nada. Em pouco tempo passavam a reconhecer aquele sujeito esquisito e muitos sabiam seu nome. Muitos é um modo de dizer, eram seis os cinemas do centro e Roberto, morando em Lourdes, não freqüentava cinema de bairro.

Se ia a uma lanchonete ou a um restaurante com algum dos raros amigos, quando o garçon trazia a conta Roberto ia ao banheiro ou arrumava uma desculpa, até que o seu companheiro pagasse. Poderia usar cheque, mas naquela época não se aceitavam cheques de pequeno valor.

Estava acontecendo a Copa do Mundo no Brasil e Roberto decidiu passar em frente ao Grande Hotel na esperança de ver algum jogador da seleção do Uruguai, que lá estava hospedada. Subia a Rua da Bahia quando, em frente à Confeitaria Elite, viu uma nota de mil cruzeiros no chão. Pisou na nota e ficou paralisado.  Abaixou-se, desamarrou o sapato e tornou a amarrá-lo. A estampa de Cabral olhava para ele com ar de troça. Procurou no bolso um lenço para evitar o contato direto com aquela coisa suja, havia esquecido em casa.  “Pego a nota e entro na confeitaria para lavar as mãos,” pensou. “E se o banheiro estiver fechado?” Ficou agoniado. Começou a juntar gente. Gotas de suor apareceram em sua testa.

− Como é que é, meu chapa, vai pegar a nota ou não vai? – Roberto olhou aturdido para o vendedor de loteria que estava à sua frente.

− A nota é sua? − perguntou uma mulher gorda com uma enorme bolsa.

− É! Quer dizer… eu achei.

− Então pega, qual o problema? Disse o vendedor de loteria.

− Eu tenho alergia – Roberto, com essa desculpa esfarrapada, ergueu-se, mantendo o pé em cima da nota − o senhor podia apanhar a nota e colocá-la no meu bolso?

O homem apanhou a nota, olhou para ela e encarou Roberto:

– Meu chapa, eu não tenho alergia por dinheiro, antes pelo contrário, o que me dá uma gastura danada é a falta dele − e enfiou a nota no bolso.

Roberto disse furioso:

− Este dinheiro é meu! Eu vi primeiro!

− Então toma – o homem estendeu o dinheiro na direção do Roberto que se afastou horrorizado. O homem avançou, ameaçando-o com a nota. Roberto recuou em pânico.

− Todo mundo aqui é testemunha, eu quis devolver. Guardou a nota no bolso e disse rindo: neste mundo tem cada maluco!

Roberto ficou desolado. Sentiu que tinham tomado uma coisa que era dele e isso era insuportável. Ainda quis protestar, mas o homem já ia longe, gritando seu pregão:

− Loteria Mineira; olha o burro pra hoje; quem quer perder, tá na hora…

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Estadista

− Lula, um estadista? Não me faça rir. Um indivíduo que fala “menas fome” pode ser estadista?

Gilberto olhava, com um sorriso desdenhoso, para Madalena, sentada à sua frente. Cheguei com o melhor dos meus sorrisos:

− Olá, pessoal, tudo bem?

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Odisséia

− HAL, abra a porta do compartimento das cápsulas.

− (…)

− HAL, abra a porta do compartimento das cápsulas.

− (…)

− HAL, você está me ouvindo?

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Tempos Difíceis

− Eu fui contra esta greve, Carmelita, desde o começo.

− Então você votou pelo fim dela?

Vicente coçou a cabeça, um tique que aparecia sempre que estava nervoso.

− Pela continuação.

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A Viagem

A Viagem

As ruas estavam alagadas quando saímos do cinema. Com muito custo chegamos a Copacabana. Na casa da avó de Raquel, onde estávamos hospedados, o pessoal estava assistindo à TV Tupi quando a vinheta anunciou uma edição extraordinária do Repórter Esso: “Um terrível temporal alaga as ruas do Rio de Janeiro. Nos morros cariocas, os deslizamentos soterraram inúmeros barracos, provocando destruição e várias mortes. Os bombeiros já iniciaram o trabalho de resgate das vítimas…”

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A Lista

O vagão do Noturno estava lotado. A maioria dos passageiros embarcou em Ipatinga, como Paulo e Raquel.  Paulo não conseguira um leito; decidiu, com Raquel, ir de poltrona mesmo para não terem de passar o Natal longe de suas famílias.

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Paralelas

A angústia me acordou de madrugada. A escuridão do quarto não me deixava enxergar nada. Será que fiquei cega? O mostrador do relógio do Paulo, em cima do criado mudo, mostrou-me que minha cegueira era da alma. Chorei baixinho para não acordá-lo, até que o sono venceu a dor que me apertava o peito.

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Loló

− Ah, Loló, Margarida foi como uma irmã para mim…

Heloísa estremeceu. Não era chamada pelo apelido há uns trinta anos. Ficou de pé, ao lado do caixão de sua mãe, recebendo os pêsames dos parentes e amigos da família, constrangida por não se lembrar de muitos deles. Sua carreira a afastara daquele universo por tempo demais.

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