Tempos Difíceis
− Eu fui contra esta greve, Carmelita, desde o começo.
− Então você votou pelo fim dela?
Vicente coçou a cabeça, um tique que aparecia sempre que estava nervoso.
− Pela continuação.
− Não entendo mais nada. Você é contra a greve, mas vota pela continuação. Coisa de doido mesmo.
− Coisa de doido é ficar 128 dias de greve e voltar ao trabalho sem ganhar nada.
− O que eu não aguento mais, Vicente, é olhar as latas de mantimentos vazias, é não ter crédito para comprar um mísero litro de leite, é ver você dentro de casa, andando de um lado para outro com essa cara de bezerro desmamado.
− E as costuras?
− Que costura, Vicente! Nesta cidade todos dependem da Usina. Alguém vai mandar fazer alguma roupa se está faltando dinheiro pra comida? Tem um monte de gente me devendo. Eu é que vou manter a casa?
Vicente deixou a mulher falando sozinha e foi pro quintal. Olhou desolado para os canteiros nus da horta, nenhum pé de nada. Pegou a enxada de qualquer jeito e com fúria destruiu o que já não tinha ali.
− Sai do sol, homem, este calor vai te matar.
Vicente foi se acalmando, sentou numa pilha de tijolos e ficou ouvindo a cantoria da sua mulher lá dentro.
− Fred, já terminou o dever?
− Terminei, mãe.
− Então descasca umas batatas.
− Ah, não! Vamos comer batata de novo, mãe? Quando é que vai ter carne nesta casa?
− Quando a greve acabar e seu pai receber. Agradeça a Deus por termos estas batatinhas que sua avó mandou.
Vicente escutou o comentário da mulher, pegou a bicicleta e saiu.
− Aonde você vai, Vicente? Daqui a pouco a comida tá pronta.
Carmelita ficou olhando Vicente se afastar, empurrando cabisbaixo sua velha Caloi.
Voltou uma hora depois, embrulho de jornal debaixo do braço. Carmelita esperava no portão:
− Cadê a bicicleta?
− Vendi.
− Vendeu? E agora? Como você vai pro trabalho?
− Preocupa não, saio mais cedo, vou a pé. Eu me viro.
Carmelita entrou em casa atrás de Vicente. Quando o alcançou puxou-o pelo ombro e o abraçou.
− Vai dar tudo certo, meu bem. Nós já passamos por situações piores e no fim tudo se resolveu.
− Eu sei, Carmelita. Mas fico muito agoniado com esta situação. Não quero deixar faltar nada para você e para o Fred.
− Não faltando você, não está faltando nada – disse Carmelita, fazendo um carinho no rosto do marido. – Fred, olha o que seu pai trouxe pro almoço.
8 comentários
Lígia Albuquerque de Araújo em 20/07/2012 13:10
Gostei muito. Acho que o tema tem tudo a ver com você, suas experiências e ideais. Seu jeito de escrever é muito gostoso, parece cinema. Parabéns!!!
quemcontaumconto em 23/07/2012 02:16
Obrigado Liginha. Gosto muito deste conto.
Antonio Kontizas em 26/07/2012 05:35
Gostei muito Sr Ildeu.
E um bom exenplo.
( Carro carregado, e que canta. )
Marisa em 10/08/2012 09:52
Ildeu. Concordo com a Liginha. O seu conto fala de voce, da sua experiencia e valores. Gostei muito. Com poucas palavras, nos faz emocionar.
quemcontaumconto em 10/08/2012 23:59
Obrigado pelos comentários.
Manoel Brandão em 29/08/2012 19:42
Dizem que o RS não traz felicidades,mas paga a despeza que ela dá…valeu Ildeu…conto de leitura gostosa…
Rozana em 30/07/2013 11:49
Ildeu me lembrei das histórias que meus pais contavam quando vieiram para BH, das dificuldades, enfim, um dia tudo passa e nos tornamos mais fortes.
Ildeu Geraldo de Araújo em 07/08/2013 15:52
Obrigado pelo retorno, Rozana. Um abraço
Envie seu comentário