− Lula, um estadista? Não me faça rir. Um indivíduo que fala “menas fome” pode ser estadista?

Gilberto olhava, com um sorriso desdenhoso, para Madalena, sentada à sua frente. Cheguei com o melhor dos meus sorrisos:

− Olá, pessoal, tudo bem?

− Oi, Haroldo − Madalena esticou o rosto para receber o meu beijo − Estadista sim. O homem que criou o G20, empurrou o G8 para o ostracismo, colocou o Brasil na liderança mundial, é um grande estadista.

Madalena, quando se inflama e deixa arder sua paixão, fica irresistível. Sua face fica vermelha, seus olhos faíscam, sua voz de contralto se eleva, adquirindo uma sonoridade cheia de harmônicos que lhe dão um colorido ímpar.

− Você quer dizer G7, pois a Rússia, após a derrocada da União Soviética, não tem peso econômico para ser considerada pertencente ao grupo dos líderes mundiais.

Gilberto era alucinado por Madalena, mas quando se tratava de política, ele atacava com virulência, mais interessado em fazer valer seus pontos de vista do que em conquistar o afeto dela. Eu, pelo contrário, vivia carregando água na peneira para lhe agradar.

− Dos ex-líderes, Gilberto. Atualmente a liderança é dos BRICs; e o R é de Rússia.

Pedi tempo com as mãos. − Vocês já fizeram os pedidos? Eu estou morrendo de fome.

− A Rússia é um país decadente, de bêbados, e totalmente dominado pela máfia dos ex-dirigentes do partido, transformados em milhardários donos de empresas.

− Você sabia, Gilberto, que o PIB da Rússia cresceu numa média de quase cinco por cento na última década?

− Garçom, me traz uma costeleta de cordeiro ao molho agridoce. E vocês, o que vão querer?

− Mas não estou vendo relação nenhuma deste enaltecimento da Rússia com o estadismo do Lula.

− Três costeletas de cordeiro, uma garrafa de Malbec, duas águas com gás e uma sem.

− Você, Gilberto, foi quem introduziu a Rússia na conversa. O Lula colocou a fome na agenda política do país. Ele mudou totalmente o enfoque, priorizando o bem estar do povo.

− Você fica linda com esta blusa verde, combina com seus olhos.

Madalena me enviou um sorriso maravilhoso, registrando meu galanteio. Gilberto, porém, não dá trégua.

− Deixar de investir na infraestrutura do país para distribuir esmolas é populismo barato. Já dizia o Luiz Gonzaga: “Esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.”

− Ah! Agora você cita o Luiz Gonzaga, está aderindo ao populacho?

As costeletas chegaram, provei o vinho e mandei servir. Gilberto tomou um gole e contra atacou:

− Ao contrário do que você pensa, valorizo a cultura popular, se é de boa qualidade. Mas colocar o Gilberto Gil no Ministério da Cultura…

− Você sabia que ele é formado em administração de empresas?

Madalena tomou um gole do vinho, olhou-me sorrindo:

− Delicioso!

− Você me acha delicioso?

− Falei do vinho, seu bobo.

− O Gil é administrador, o Caetano, filósofo, Vanzolini, zoólogo, mas por que será que este país não produz um Beethoven, um Brahms, ou mesmo um Strauss?

− A música popular brasileira é uma manifestação cultural da maior qualidade. É preciso ser muito preconceituoso para não reconhecer isso.

Comemos o cordeiro, bebemos duas garrafas de vinho e os dois continuaram se engalfinhando. Na saída me ofereci para levar Madalena em casa.

− Está doido, cara? – atalhou Gilberto, com a voz alterada pelo vinho – Ela mora a três quarteirões de minha casa e você quer atravessar a cidade a esta hora da noite?

− Você é um anjo, Haroldo, mas o Gilberto, desta vez, tem razão.

Ela me deu um selinho e saiu de braço dado com o Gilberto. Fiquei olhando os dois se afastarem, sentindo o doce de seus lábios e o amargor do ciúme. Entrei no meu carro e resolvi segui-los. Para meu espanto, em vez de irem para casa, na Pampulha, tomaram a direção da Av. Nossa Senhora do Carmo. Sem dúvida iriam terminar a discussão num motel. Fiz o retorno, desconsolado e peguei o caminho de casa.

Estava chegando quando o celular tocou.

− Você acredita que o Gilberto me pôs pra fora do carro e me largou no ermo da BR? Nunca mais olho pra cara daquele cachorro.

− Não acredito. O que aconteceu?

Madalena chorava e bufava de raiva.

− Vou te buscar, querida, calma, vou voando. Mas continuo sem entender, o que provocou este ato tresloucado nele?

− A “privataria tucana”.