bem querer – capítulo IV
No retorno da lua de mel as coisas não estavam tão doces entre o casal.
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Em Belo Horizonte, dona Zezé assumiu os cuidados da filha, enquanto Oscar, colocado de lado, resolveu procurar um barracão para alugar. Não queria ficar morando na casa dos sogros.
Pelo diagnóstico do ginecologista de dona Zezé, Marlene teria tido uma gravidez psicológica. Oscar ficou em silêncio quando ouviu as notícias. Uma sombra nublou seu rosto. Quando os dois ficaram a sós, Marlene o interpelou:
− O que foi? Por que essa cara? Está pensando que eu inventei a gravidez?
− Não, Marlene, mas esse negócio de gravidez psicológica, existe isso? Por que você não fez o tal exame?
− Para que exame! Eu tinha certeza que estava grávida! A falta de menstruação, os seios duros, a barriga crescida, até leite eu tive.
− A gente não precisava ter casado nessa correria toda. Você devia ter se informado melhor.
− E você? Por que não se informou? Não fiquei grávida sozinha!
− É bobagem ficar discutindo isso agora. Você está bem? Sua saúde está boa?
− A saúde está boa, a reputação é que parece estar um pouco arranhada.
− Meu bem, me desculpe, sei que você não teve culpa, não estou lhe acusando.
Oscar tentou abraçar a esposa, que se desviou dele e saiu enxugando os olhos, à procura da mãe.
À noite, Oscar levou Marlene ao cinema. Foram ver “Depois do Vendaval”, com John Wayne e Maureen O-Hara. A comédia, dirigida por John Ford, restabeleceu entre os dois o clima de ternura. Quando chegaram na casa dos pais de Marlene, onde ainda estavam hospedados, Oscar tomou Marlene nos braços:
− Venha cá, minha Mary Kate.
− Você vai acordar meus pais, seu John Wayne de meia tigela!
Oscar empurrou a porta do quarto com o pé e jogou a mulher sobre a cama, que, ao contrário do filme, resistiu ao impacto do corpo delicado de Marlene. Dona Zezé veio ver o que estava acontecendo, do corredor compreendeu que estava tudo bem.
No dia seguinte, mudaram-se para a casinha deles, montada com os presentes de casamento. Compraram os móveis à prestação. O enxoval da noiva era suficiente para suprir as necessidades dos próximos dez anos.
Oscar passou seis meses em treinamento e adaptação ao emprego. Destacou-se de imediato e assumiu a liderança de uma turma de eletricista de campo.
Marlene penou um pouco com os trabalhos de casa, mas, aos poucos, foi pegando o jeito. Esperava com ansiedade pela mudança da lua, suas regras vinham infalivelmente no primeiro dia da lua nova.
− Estamos casados há dez luas e nada de gravidez − Marlene queixou-se ao marido.
− Você agora virou índio, conta o tempo pelas luas?
− Estou falando sério, Oscar. Minhas regras vêm sempre com a lua nova.
− Minha parte eu estou fazendo, compareço diariamente − Oscar continuou, em tom de brincadeira.
***
Seu Manoel e dona Zezé faziam questão que a filha e o marido almoçassem com eles todos os domingos. Ela gostava de ir para a cozinha e preparar o prato favorito da filha: arroz de forno com bastante queiro e banana. Ele buscava duas garrafas de cerveja no seu armazém, colocava na geladeira e as bebia com o genro, antes do almoço.
− Quando vou ter um neto, Oscar?
− Não é falta de empenho, meu sogro.
Baixando a voz, seu Manoel disse:
− Marlene puxou a mãe, que só engravidou uma vez, cinco anos depois do nosso casamento.
Marlene entrou na sala e seu pai mudou de assunto:
− Mar de lama, este país está um mar de lama, o Lacerda tem razão. Não foi à toa que tentaram matá-lo.
− Estão dizendo, seu Manoel, que o Lacerda é que matou o Major Vaz e depois deu um tiro no pé.
− Você acredita nessa mentira deslavada? Foi o Gregório, jagunço do Getúlio quem fez os disparos.
− Eu não entendo nada de política, seu Manoel, O Gregório estava lá, na rua Toneleiros?
− O almoço está pronto, mamãe está chamando.
Alguns dias depois, em vinte e quatro de agosto daquele ano 1954, 0scar voltou do trabalho ainda pela manhã. Encontrou Marlene ouvindo rádio.
− Aqui também está havendo confusão nas ruas, Oscar?
− Não, Marlene, está tudo calmo, clima de velório. Em frente o Café Pérola tem uns grupinhos comentando o suicídio. Seu pai deve estar contente.
− Não diga isso, papai não gostava do Getúlio, mas não deve estar alegre com uma tragédia dessas.
− Vou aproveitar o feriado para arrumar a cerca dos fundos.
− Eu ouvi sua conversa com papai no domingo passado. Quer dizer que a culpa é minha, de novo! Se engravido, a culpa é minha, se não engravido, a culpa é minha. − disse Marlene magoada.
− Ninguém falou em culpa, meu bem. Seu pai comentou que sua… eles também tiveram dificuldade. Ficaram apenas com uma filha, que por sinal vale pelos dez que eles não tiveram. − Oscar estreitou Marlene entre os braços, − vai dar tudo certo. Uma hora essa barriguinha linda vai ficar igual a um barril.
− Quero ser mãe, Oscar. Quero sentir um filho crescendo aqui dentro.
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Uma coisa que Oscar sempre admirou em Marlene: sua tenacidade, mesmo quando ela apelava para medidas pouco ortodoxas.
(Continua no próximo capítulo.)
3 comentários
Célia Arruda em 01/03/2014 16:19
Parabéns, Ildeu, prosa esporreita! Diálogos bem feitos, acompanha-se a história com entusiasmo! Aguardo mais capítulos.
Célia
Ildeu Geraldo de Araújo em 02/03/2014 11:10
Obrigado Célia, senti sua falta na última oficina. Um abraço.
Lêda Cabizuca em 27/03/2014 22:20
Continua o suspense. E a temática política nos remete a fatos dos quais tive notícia, pois era criança na época.
Lêda.
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