− Alô.

− Amaral, que brincadeira é esta. Você enlouqueceu de vez?

Depois da separação, Mariana nunca mais chamou o marido de Nini, Nininho, Valdo ou Dico. Passou a chamá-lo pelo sobrenome, com faziam os colegas de trabalho.

− Que brincadeira, Nana, não estou entendendo.

− Ou será que você resolveu me enlouquecer? Olha aqui, Amaral, usar nosso filho para me atingir é uma sujeira que eu não esperava de você.

− Quer fazer o favor de me dizer o que está acontecendo?

− Se o Bruninho entrar em depressão outra vez, eu te mato.

− Nana…

− Que pai é você para fazer isso com seu filho no dia de natal…

− Nana, pode me explicar o que está acontecendo.

− O que o Bruninho te pediu de presente de natal?

− Um i-pod, que deixei na portaria ontem à noite.

− Deixe de ser cínico, Amaral, não entendo de eletrônica mas sei a diferença entre um i-pod, e uma meia velha, uma porção de trapos e uns gravetos. E você ainda teve a cachimônia de colocar numa linda caixa e embrulhar pra presente.

− Cachimônia. De onde você desenterrou essa palavra?

− Não desvie o assunto, seu cínico. Como você pôde fazer isso…

− Nana, não chore. Posso ir aí?

− Entendi. Agora entendi o seu plano. Você é maquiavélico mesmo.

− Nana, não desligue, Nana…

***

− Alô.

− Venha rápido. O Bruninho está daquele jeito que ficou quando nos separamos.

− Estou indo.

Quando Nivaldo entrou no apartamento seu coração disparou. Era a primeira vez que entrava naquela sala deste janeiro daquele ano, quando Nana o pôs pra fora. Encontrou os olhos dela, vermelhos, cheios de ódio e ressentimento.

Bruninho estava sentado no chão com o olhar perdido. Ao lado, uma pequena arca de madeira ricamente entalhada e dentro dela uma meia, alguns trapos e seis gravetos, conforme Nana descrevera.

− Nana, chame o porteiro, eu juro que deixei um i-pod na portaria.

− Ele está de folga. É natal, esqueceu?

− Vou procurar na portaria. Deve estar em algum lugar.

Nivaldo procurou em todos os escaninhos da portaria e não encontrou nada. Voltou intrigado.

− Nana, quem trouxe esta caixa?

− Deve ter sido o Papai Noel. Você insiste em dizer que não foi você?

− Tenho meus defeitos, mas isso eu não faria. Você me conhece.

− Achei que conhecia…

Nivaldo se sentou no chão ao lado do filho. Bruninho tinha nove anos. Era um menino vivo e muito afetuoso. A separação dos pais foi arrasadora para ele. Entrou numa profunda depressão que demorou seis meses para ceder.

Nana ficou observando os dois sentados no canto da sala. O que mais a entristecera na separação foi privar Bruninho do pai, que ele adorava. Não podia negar: Valdo era um bom pai.

Viu Nivaldo remexer a caixa, tirar a meia, os trapos e os seis gravetos. Viu que seus olhos começaram a brilhar, e não pode evitar o sentimento de ternura: nos lábios de Nini surgiu um sorriso de criança. Os trapos foram cuidadosamente enrolados formando uma esfera e enfiados dentro da meia. Nini rodou a meia e a virou pelo avesso de modo que os trapos de pano ficaram contidos na ponta da meia.

Bruninho começou a olhar com interesse o que o pai estava fazendo. Nini rodava a meia e a virava pelo avesso sucessivamente até que surgiu uma bola de meia.

− Nana, você tem um pedaço de barbante?

− Pega na sua caixa de ferramentas. Ela está no mesmo lugar.

− Posso?

Nana fez um gesto com a mão permitindo que Nini entrasse na cozinha e chegasse mais perto de seu coração. Viu Nini dar acabamento na bola, armar duas casinhas em forma de pirâmide com os gravetos e ensinar o filho a jogar bente altas.

− Porque vocês não vão jogar lá em baixo?

Quando os dois saíram Nana abriu a geladeira, colocou uma garrafa de vinho, retirou o resto da ceia e foi preparar o almoço.