Na minha casa não havia muitos livros. Minha primeira tentativa de escrever foi copiar, de um velho atlas geográfico e no próprio livro, o título que encimava o mapa de um estado narigudo: ESTADO DE MINAS GERAES.Um dia, o padrinho de uma de minhas irmãs nos presenteou com “As Memórias de Emília”, de Monteiro Lobato. Foi a revelação de um mundo novo, mágico e fantástico. Outro episódio importante: Clube de leitura na escola. Minha professora colocou nas minhas mãos: “As Aventuras de Robinson Crusué” de Daniel Defoe. Nunca mais parei de ler histórias.

Meu avô e seu filho, meu pai, eram exímios contadores de causos. Ainda me lembro da história da caçada de onça, que meu avô contou quando eu tinha uns cinco anos:

Nós estávamos picando lenha na Charneca, perto de Betim, eu, o Amerco, meu irmão, e o Augusto, casado com a Conceição, minha irmã. A gente estava arranchado numa tapera de pau a pique, que nem porta tinha. De noite a gente era acordado pelos miados da pintada e não conseguia pegar mais no sono, de medo que ela aparecesse. Resolvemos fazer uma armadilha para pegar a danada.

Fizemos um chiqueirinho de madeira roliça, coberto com o mesmo material para evitar que ele escapulisse, colocamos um cabritinho de isca, amarrado lá dentro. Pusemos um estrado de modo que, para pegar o cabrito, a bicha tinha que pisar nele. No que ela fizesse isso a porta se fechava, empurrada por uma pedra que estava dependurada numa corda.

Funcionou direitinho. No outro dia fomos ver a armadilha e a bichana estava lá, satisfeita, de bucho cheio. E agora o que a gente ia fazer. Não tínhamos arma de fogo nem formicida para envenenar o bicho. Aí o Augusto teve a ideia de levar ela viva pra mostrar pro pessoal de Bicas.

− Cê tá doido. Como vamos lidar com uma fera deste tamanho?

O Augusto buscou uma corda de couro, fez um laço enfiou pelas gretas da cobertura do chiqueiro, na tentativa de laçar a onça. Ela pegou o laço com a pata, levou no dente e cortou a corda na a maior facilidade.

− Vamos sangrar essa onça, Augusto, é o melhor que a gente faz.

O Augusto estava encasquetado de levar a bichana viva. Cortou uma forquilha de angazeiro, subiu no teto do chiqueiro, enfiou a forquilha e sojigou o pescoço da onça.

− Entra lá, Antônio, mais o Amerco e amarra ela.

Fiquei estatelado no mesmo lugar. O Amerco entendeu, era surdo-mudo, mas ladino feito um coelho. Ficou me olhando com aquela cara marota dele. Neste momento a onça inchou o pescoço e lascou a forquilha, livrando-se com um miado vitorioso.

O Augusto não desistiu. Saiu procurando um jacarandá que é muito mais resistente que aquela porcaria de angazeiro.

Amarrei minha faca na ponta de uma vara comprida, enfiei por uma das gretas do chiqueiro e acertei bem no coração da pintada.

Agora, que estou mais velho que meu avô, arrumei esse site para contar minhas histórias ou estórias, como preferia o Guimarães Rosa.

Contar Histórias - Contos e Folhetins