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Oscar deixou Marlene dominar seu devaneio. A energia dela curou suas feridas.

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Marlene reinou no baile de formatura da turma de administradores de 1968. A Orquestra tocou “Fascinação”. Ela caminhou na direção de Oscar que havia permanecido sentado ao lado dos sogros desde o início da festa. Os casais se afastaram, deixando o salão só para eles. Oscar relutou em se levantar, alquebrado por quatro anos de prisão; somente comparecera ao baile por que Marlene se negou a ir sem ele. Ela permaneceu diante dele, com os braços estendidos num convite. Por fim ele se levantou, sob os aplausos dos presentes e tomou-a nos braços.

− Eu te adoro, minha querida.

− Só se adora a Deus.

− Você é minha deusa de cabelos de fogo.

− Você me conquistou quando me ofereceu essa música na barraquinha.

− Continuo fascinado por você até hoje.

***

Oscar ficara na prisão, quatro anos, sem que fosse processado formalmente. Com a promulgação da constituição de 1967, o regime resolveu regularizar a situação dos presos políticos. Oscar foi julgado, e, como não houvesse nenhuma prova contra ele, foi absolvido. Sua libertação, entretanto, só aconteceu em agosto de 1968. Nunca contou nada do que havia sofrido na prisão, mas as marcas eram visíveis. Havia perdido o entusiasmo, o fogo que alimentava sua vida.

Após a promulgação do AI-5, foi detido para interrogatório e libertado em seguida, por não verem nele qualquer perigo.

Marlene, ao contrário, era uma fonte de energia. Havia sido brilhante em seu curso. Dez anos mais velha que seus colegas, liderou a turma da primeira aula até a formatura. Foi uma esposa de preso político combativa e dedicada, lutou o tempo todo para que ele tivesse um tratamento pelo menos humano. Deu-lhe toda a assistência que as circunstâncias permitiram. Ao ser libertado, Oscar teve sua dedicação em tempo integral. Foram dois anos de cuidados constantes. Ela tentava, com seu carinho, tirá-lo da letargia que tomara conta dele.

Quando Oscar começou a reagir, os dois foram trabalhar na empresa de seu Manoel, que agora contava com duas filiais, uma no Barreiro e outra em Santa Efigênia. Oscar cuidava da manutenção das instalações e Marlene assumiu a coordenação do abastecimento. Em pouco tempo, seu espírito empreendedor eclodiu, e o pai, maravilhado com seu talento, foi transferindo para ela a direção da empresa.

Estudando o desenvolvimento das redes de supermercados Serv-Bem, Pag-Pouco e Merci, que surgiram em Belo Horizonte a partir de 1958, ela criou a rede “Supermercados do Mané”, uma brincadeira-homenagem a seu pai. Seu Manoel lhe entregou a direção de todos os seus negócios e foi para a Europa realizar um antigo sonho de dona Zezé.

Os empreendimentos de Marlene prosperaram nos anos do milagre econômico, mas o que a fazia feliz era o amor entre ela e Oscar, que aumentava, milagrosamente, com o tempo.

− Você demorou, minha rainha.

− Uma reunião que não acabava, até que eu pus todo mundo pra fora e vim correndo ver o meu bem − Marlene se jogou nos braços de Oscar e o beijou com paixão.

− Casei-me com uma feiticeira. Lá fora ela é “a empresária”, passa aquela porta e se transforma na minha namorada.

− Sua namorada está precisando de um banho, de ficar linda de morrer, porque hoje é dia de comemoração.

− Esqueci alguma coisa? Seu aniversário foi no mês passado, o aniversário do nosso casamento é daqui a três meses.

− Está faltando a data mais importante da minha vida. O que aconteceu três meses antes do nosso casamento?

− Não me lembro.

− Você me seduziu, Dom Juan.

− Nada disso, você me seduziu.

− Eu disse: Não, Oscar! Não, Oscar!

− Mas não retirou minha mão do seu seio. Não parou de me beijar e cravou as unhas nas minhas costas.

− E rasguei sua camisa novinha. Você é um mentiroso, Oscar. Nunca vi essa camisa rasgada.

− Tive que jogar fora, ela ficou imprestável.

− Aonde você vai me levar esta noite?

− Você é quem manda, Marlene.

− Nunca fui a um motel.

***

No dia dez de fevereiro de 1980 foi fundado o Partido dos Trabalhadores, aproveitando a abertura política de 1979. O PT representou, para muitas pessoas que desejavam um país mais justo e mais humano, uma esperança concreta. Nascido das bases, alimentado pela luta contra a ditadura, foi gerado no seio do povo. Oscar filiou-se ao PT e participou de suas atividades desde que foi reconhecido como partido político, em fevereiro de 1982.

Marlene ficou apreensiva. O presidente da república ainda era um general e muitos duvidavam da “abertura lenta, gradual e segura” promovida pelos militares. Entretanto, ao ver de novo o brilho nos olhos de Oscar, ela se alegrou. O caminho foi longo: luta pelas diretas já, a eleição e morte de Tancredo Neves, o governo de Sarney (um trânsfuga da ditadura) e finalmente a eleição direta de 1989 com Luiz Inácio Lula da Silva, a grande estrela do PT, como candidato.

Oscar se empenhou na campanha com todo seu coração. Ainda tinha prestígio entre os eletricitários, visitou cada unidade da CEMIG. Participou de comícios, corpo a corpo nas ruas, vendeu botons e bandeirinhas.

Marlene ajudou no financiamento da campanha e, unida à Associação dos Dirigentes Cristãos, participou ativamente da campanha. Ainda não foi dessa vez. Collor venceu as eleições no segundo turno.

− Esse filhote da ditadura não devia governar. Não tem estofo, não tem apoio, é uma farsa.

− Mas ele ganhou a eleição, Oscar.

− A rede Globo torceu o debate. A história do aborto foi um golpe sujo.

− Daqui a cinco anos nós vamos à forra, meu bem.

Em vinte e nove de setembro de 1992 é votado o impeachment de Collor.

Marlene foi escolhida a “empresária destaque do setor supermercadista de 1994”.

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Marlene era uma ganhadora, enquanto ele estava destinado a ter seus sonhos impedidos pelo desenrolar da história. Mas ela também tivera seus maus momentos, por compartilhar sua vida com ele.

(Continua no próximo capítulo)