bemquerer capa

 

Oscar sorriu, em seu devaneio. Marlene estava mesmo ansiosa por um filho.

>>>

bemquerer capa capV

Passaram-se muitas luas. Os exames eram cada vez mais especializados, realizados em Belo Horizonte e depois em São Paulo. Oscar também se submeteu aos exames, mas com ele os resultados eram normais. Marlene recusava obstinadamente o diagnóstico de esterilidade.

Oscar precisou de seu certificado de reservista para apresentar na Cemig. Revirou suas gavetas sem êxito. Resolveu olhar numa das gavetas reservadas à Marlene. A gaveta estava cheia de saquinhos de pano com uma rosa vermelha seca dentro. Quando Marlene voltou de sua visita diária à sua mãe, ele perguntou:

− Para que são as rosas secas que estão na gaveta de sua penteadeira?

− O que você foi xeretar na minha penteadeira?

− Não acho meu certificado de reservista, tenho que apresentá-lo amanhã no serviço.

− Vou pegar para você. Está numa das caixas que veio da casa de seus pais e que você não arrumou até hoje.

A história das rosas vermelhas ficou sem explicação.

Dona Zezé foi com seu Manoel assistir a inauguração de Brasília e voltou de lá empolgada com a nova capital.

− Brasília sim, é uma cidade maravilhosa. O JK cumpriu sua promessa: cinquenta anos em cinco.

− Mas a inflação está a vinte e cinco por cento. Adivinha quem vai pagar a conta: os empresários.

− Acho que é o povo, seu Manoel. No final das contas, é sempre o povo quem paga − retrucou Oscar.

− Vamos parar com política. Trouxe para vocês as imagens de São Cosme e São Damião, um par de sapatinhos e uma vela dourada.

− Que sapatinhos lindos, mamãe.

− Está acontecendo alguma coisa que não estou sabendo? Vou ser pai, Marlene?

− Se vocês fizerem a simpatia direitinho, você será pai em breve − respondeu dona Zezé no lugar da filha, − tem que ser na lua cheia.

Na primeira noite de lua cheia, Marlene e Oscar se ajoelharam diante das imagens e da vela dourada, devidamente acesa, rezaram três ave-marias, deitaram-se e se amaram até a vela se consumir.

Com a lua nova veio a frustrante menstruação.

Oscar foi indicado pelos colegas para a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. Começaram suas divergências com a chefia da Empresa. Ele exigia providências para a prevenção de acidentes. A chefia sempre atribuía os acidentes a atos inseguros dos trabalhadores. A CIPA, que sempre fora um órgão sem atuação, que existia apenas para cumprir a lei, passou a analisar cada acidente e a apontar as responsabilidades da Empresa.

Oscar passou a ser hostilizado pela chefia. Não podia ser demitido, devido à imunidade legal, que protegia os cipistas, mas foi sendo preterido nos treinamentos e nas promoções, apesar de ser considerado um dos melhores técnicos.

O assunto apareceu num dos almoços dominicais na casa dos pais de Marlene e, pela primeira vez, houve uma discussão entre o genro e o sogro. Quando se despediram, seu Manoel disse, em tom conciliador:

− Desculpe-me por meter a colher na sua vida; não gosto de vê-lo prejudicado em sua carreira por causa do seu idealismo.

− Eu é que tenho que me desculpar, seu Manoel, se fui indelicado com o senhor. É que todo mundo fica me dizendo que eu vou me prejudicar, mas eu tenho responsabilidades. É a segurança dos colegas que está em jogo.

Marlene não disse nada no retorno para casa. Ficava preocupada, mas admirava a integridade do marido e o apoiava. O silêncio de Oscar denunciava um conflito interno. Ele não queria se prejudicar e, principalmente não queria prejudicar Marlene, mas começava a ter consciência da oposição de interesses entre os trabalhadores e os patrões, daquilo que o pessoal do sindicato chamava de luta de classes.

− Me convidaram para participar da chapa do sindicato.

− Você aceitou?

− Não ia aceitar sem falar com você, Marlene!

− Você quer ser sindicalista?

− Não sei, Marlene, nunca me meti em política, mas tenho visto tanta coisa errada. Apesar da CEMIG ser uma empresa estatal, a mentalidade da direção é patronal. Na época dos acordos salariais eles jogam pesado. Imagina o que acontece nas empresas privadas, que são dirigidas pensando apenas no lucro? Temos que trabalhar muito para tomar o Sindieletro das mãos dos pelegos, que são sustentados pela direção da Companhia. Aí poderemos endurecer o jogo e conquistar mais vantagens para os trabalhadores.

− Eu te apoio, meu querido, qualquer que seja sua decisão.

− Este é o amor da minha vida!

Por insistência de Marlene, foram ao cinema, ver “Gigi”, que havia ganhado o “Oscar” em 1958 e que somente agora era exibido em Belo Horizonte. Vendo a expressão sonhadora no rosto da esposa, Oscar alfinetou.

− Eu não me daria a essa Gigi!

− Mas ela ganhou o “Oscar” e com muito mérito − retrucou Marlene.

− Dos indicados, eu acho “Acorrentados” muito melhor; um drama humano e não dessa historinha de mocinhas românticas.

− Sou mocinha romântica e ganho meu Oscar todos os dias − disse Marlene agarrando o braço do marido e pousando a cabeça em seu ombro.

Naquele ano de 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente da república, prometendo varrer todos os problemas do Brasil.

Dona Zezé presenteou a filha com uma enorme reprodução da tela “Anunciação a Maria”, de Leonardo da Vinci.

− Sua madrinha trouxe de Roma. O quadro foi benzido pelo papa João XXIII. Coloque acima da cabeceira de sua cama. Toda noite, antes de deitar, você e o Oscar devem rezar o terço ou, pelo menos uma dezena.

− Toda noite, mamãe?

− Pelo menos naquelas em que vocês estiverem mais entusiasmados.

<<<

A vida é mesmo estranha”, pensou Oscar, ele e Marlene tiveram suas vidas alteradas por causa de uma falsa gravidez, agora desejavam ardentemente um filho que não conseguiam gerar. A UDN lutou anos para eleger um presidente da república, agora embarcava na aventura de apoiar Jânio Quadros. “Em que isso vai dar?”

(Continua no próximo capítulo.)