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 − Oscar, Oscar, por onde você andou, meu querido?

− Pelo vale das sombras, mas fui resgatado por uma deusa ruiva, de seios firmes e redondos, longas e elásticas pernas, braços ternos e acolhedores e um sorriso milagroso que afasta todo mal.

− Parabéns pra você, nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida. Viva o Oscar!

− Obrigado, meu bem. Não sei por que celebrar meu aniversário, se a cada ano estou mais decadente.

− Que isso, querido, você está ótimo. Os cabelos brancos lhe dão um charme irresistível.

− Estou velho, careca e decepcionado com o povo brasileiro. Preferir o Fernando Henrique no lugar do Lula!

− O FHC é de esquerda também, foi contra a ditadura. Foi exilado.

− Que exilado! Ficou passeando em Paris, lecionando na Sorbonne, − disse Oscar, com desdém. − A eleição do Lula seria o coroamento de todos esses anos de luta, sacrifício, sofrimento.

− Você está desistindo? Que é do Dom Quixote que queria conquistar o mundo?

− Levou muita porretada das pás dos moinhos de vento.

− Eu era da UDN, você me converteu, hoje sou do PT e não vou desistir − disse Marlene, com entusiasmo. − Lula vai ganhar em 1998, você vai ver.

− Uma empresária no Partido dos trabalhadores! Só mesmo o Lula para conseguir essa façanha.

− Só mesmo você, meu amor, com sua generosidade, sua integridade, sua coragem, poderia abrir meus olhos para enxergar além dos meus interesses.

Oscar fitou sua mulher com imenso afeto. A emoção roubou suas palavras.

− Chega de política, hoje quero você alegre, animado! A partir de hoje você é sexy.

− Sexagenário. Em alguns momentos de minha vida duvidei que chegasse aos sessenta anos.

−Você vai adorar o presente que vou lhe dar − disse Marlene, num largo sorriso.

− Se é o que eu estou pensando, este jantar é uma perda de tempo. − Oscar ameaçou se levantar.

− Não seja apressado, curta seu canard a l’orange, e seu Veuve Clicquot. Escute, o piano está tocando “Fascinação”! Saboreie este prelúdio. Afinal, estamos no Copacabana Palace.

− Você me arrastou para este antro da burguesia. Aliás, você está em casa. “Empresária destaque do setor supermercadista” − retrucou Oscar, provocador.

− Mas a comida está saborosa e o champanhe é um sonho, confesse! Vamos desfrutar do que construímos, nós merecemos. “Pobres, sempre os tereis convosco.”

− Cuidado, Marlene, ao usar as palavras de Jesus fora do contexto.

− Não seja tão sério, meu amor. Relaxe, brinque um pouco. Acho que vou pedir outro Veuve Clicquot para deixar você no ponto.

− Negativo, quero estar em condições de “saborear” o meu presente.

Marlene dispensou a sobremesa. Mesmo naquela noite especial, ela não descuidava da silhueta. Então os dois deram-se os braços e subiram para o quarto.

FIM