bem querer – capítulo III
Oscar ficara horrorizado com o acidente. Foi dos primeiros a chegar ao local. O que viu no chão não era reconhecível como um ser humano. O mais espantoso foi a atitude da empresa: culpou a vítima − ato inseguro. A esposa e os filhos tiveram de se contentar com a pensão e nada mais.
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A chapa “Pelas Reformas” venceu as eleições do Sindieletro por uma pequena margem de votos, e Oscar ingressou na política sindical. A presença de João Goulart como vice-presidente da república deu força aos movimentos de esquerda, que se agruparam em torno do PTB, partido do Jango. Leonel Brizola, cunhado do vice-presidente e governador do Rio Grande do Sul, e Miguel Arraes, governador do Pernambuco, eram os principais líderes do movimento que queria mudar o Brasil, com as reformas de base.
Oscar foi aderindo a essa corrente política, foi se transformando num militante engajado na luta do povo por mais justiça. Sua origem social e sua generosidade tornavam natural essa opção. Marlene votara sempre na UDN, seguindo o pai. Oscar usava toda sua eloquência para converter a esposa.
− Eu sofri na pele a exploração dos ricos. Uma vez, a situação ficou tão difícil que a sola do meu sapato tinha um buraco enorme e meu pai não tinha dinheiro nem para uma meia-sola.
− Ô meu bem, me corta o coração ouvir isso, mas quando você fala em exploração dos ricos eu penso no meu pai, que tem uma situação boa depois de muito trabalho. Não acho justo chamá-lo de explorador.
− Não estou chamando seu pai de explorador, não é uma coisa pessoal, é a conjuntura, o sistema de distribuição de trabalho e renda que é injusto.
− Papai lhe ofereceu sociedade no armazém, mas você não aceitou.
− Você volta para a solução individual. A questão é coletiva, é da sociedade como um todo.
− Outro dia papai citou você como exemplo de uma pessoa que pelo esforço próprio melhorou de vida, e pode conquistar mais, se…
− Se parar com estas ideias comunistas? Marlene, eu fico furioso quando me apontam como exemplo de sucesso para justificar a teoria absurda que o pobre é o culpado pela própria pobreza. É muita miopia, se não for má fé. Depois a gente conversa mais. Está na hora de ir para o trabalho.
− Não vai me dar um beijo?
− Claro que vou; sem seu beijo, eu morro antes de chegar à esquina.
Dia vinte e cinco de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à presidência da república. Foi um blefe malogrado. Ele julgou que o congresso iria recusar sua renúncia e ele obteria maiores poderes para governar.
− Renúncia é um ato unilateral, não precisa da anuência do Congresso − ponderou o espertíssimo Auro de Moura Andrade, e declarou a vacância do cargo presidencial.
Os ministros militares se opuseram à posse de João Goulart, o sucessor constitucional do presidente renunciante, e a crise estava instalada.
Foi o batismo de fogo de Oscar na arte da mobilização do povo para a luta democrática. Participava das reuniões do Sindieletro e depois discutia com os colegas as ideias lá apresentadas. Ajudou na preparação de uma greve geral, caso Jango não assumisse a Presidência da República. A “Campanha da Legalidade”, comandada por Brizola, foi vitoriosa e em oito de setembro Jango tomou posse, mas com poderes limitados, pois o sistema parlamentarista havia sido implantado como solução conciliatória, em vista do veto militar.
As novas ideias políticas de Oscar abalaram suas relações com o sogro. Como todo prosélito, Oscar não perdia uma oportunidade de defender a doutrina recém-assimilada. Os tradicionais almoços de domingo se transformaram numa discussão sem fim. Quando Oscar se negou a comparecer ao almoço, dona Zezé proibiu discussão política e a paz foi restabelecida.
O ano de 1963 começou com o fim do parlamentarismo. Com um plebiscito, João Goulart recuperava a totalidade de seus poderes. Oscar, dispensado pela CEMIG de qualquer trabalho dentro da empresa (para evitar sua influência junto aos colegas), dedicou todo seu tempo à conscientização da categoria na luta pelas reformas de base: reforma bancária, fiscal, urbana, administrativa, universitária e, principalmente, a reforma agrária.
− Vamos mudar o Brasil, Marlene, vamos implantar o socialismo, a exemplo de Cuba, e acabar com o imperialismo norte americano.
− O socialismo me atrai, Oscar, mas o comunismo ateu me apavora; nós somos católicos, vivemos sob a proteção de Deus.
− Uma boa parte da Igreja nos apoia, meu bem. O pessoal da teologia da libertação, as Comunidades Eclesiais de Base, a Juventude Universitária Católica. Uma nova Igreja nasceu aqui e está se tornando realidade pelo Concílio Vaticano II.
− Belo Horizonte, Minas, o Brasil, as Américas e depois conquistaremos o mundo. Você parece o Dom Quixote.
− E você é a mais bela Dulcinea del Toboso da história.
− Um filho, Oscar, um filho para inaugurar esta nova era.
− Vamos engendrá-lo, meu amor, sinto que nestes novos tempos tudo é possível.
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Oscar se lembrou, comovido, da luta de Marlene por um filho. Este pensamento levou-o a 1953, quando voltaram da viagem de núpcias.
(Continua no próximo capítulo)
5 comentários
Vânia em 22/02/2014 23:02
Estou adorando, Ildeu! Já estou esperando o próximo capítulo!
Ildeu Geraldo de Araújo em 28/02/2014 17:01
Vai ser emocionante!
Teresa em 07/03/2014 17:26
Obrigada , Ildeu! Está muito bom. Aguardo os próximos capítulos ansiosamente!
Ildeu Geraldo de Araújo em 07/03/2014 19:10
Oi Teresa, o capítulo V sai amanhã. Obrigado pela leitura.
Lêda Cabizuca em 27/03/2014 22:13
Sr. Ildeu,
Depois de uma interrupção, li hoje os capítulos II e III.
Sua história continua muito boa e nos atiça a curiosidade
pelo seu desenrolar.
Um abraço. Lêda
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