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PRÓLOGO

− Chega de política, Oscar, hoje quero você alegre, animado! A partir de hoje você é sexy.

− Sexagenário. Em alguns momentos de minha vida duvidei que chegasse aos sessenta anos.

Oscar e Marlene estavam jantando no Copacabana Palace, onde estavam hospedados.

− Um brinde ao homem mais importante do mundo, aquele que é dono do meu coração.

− Se sou dono de seu coração, além de ser o homem mais importante do mundo sou o mais rico do universo.

Beberam do líquido precioso. Oscar olhou para Marlene através da taça borbulhante.  

Seus olhos se desfocaram. Uma melodia veio vindo lá do fundo da memória…

 

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O alto-falante tocava Zíngara, “que Jorge oferece a Vânia, como prova de estima e consideração”. Oscar ficou olhando as moças passarem em footing, para ver se descobria quem era a Vânia. Deveria ser morena, com grandes argolas de ouro nas orelhas, saia longa, estampada, lenço vermelho na cabeça. E Jorge, seria aquele rapaz de jaquetão azul-marinho, cabelos englostorados, bigode e fartas costeletas?

Aí ela passou de braço dado com duas amigas. Rosto largo, nariz aquilino, queixo afirmativo e os cabelos cor de fogo. Oscar a seguiu, a uma distância que lhe proporcionasse uma boa perspectiva, mas perto o suficiente para não perdê-la de vista. Ela andava graciosamente, ora olhando para a amiga à sua esquerda, ora se voltando para a da direita. Saia godê, azul celeste, blusa de seda branca e um cinto de couro marcando a cintura delicada, o que realçava os ondulantes quadris.

Oscar atalhou por entre as barraquinhas e se posicionou à frente das garotas, numa posição em que fosse visto por elas. Elas passaram sem olhar para ele. “Quem desdenha quer comprar”, pensou Oscar e ficou esperando que elas dessem a volta à quermesse. Elas se aproximaram em silêncio, olhando para frente, com a nítida intenção de não olhar para ele. No último momento ela se traiu e lhe lançou um olhar rápido, baixando os olhos em seguida.

“Ouviremos agora Fascinação, que alguém oferece à deusa de cabelos de fogo, como tributo à sua beleza.” Quando elas passaram, Oscar fez uma vênia e recebeu um sorriso, apenas esboçado.

Na próxima volta, Oscar se posicionou bem na frente dela.

− Posso falar contigo?

− O que você tem a me dizer? − ela respondeu, séria.

− Vou precisar de um tempo para dizer tudo.

− Você tem dois minutos, é o bastante? − ela continuava séria.

− O que tenho a lhe dizer pode demorar uma vida inteira.

− Não sei se quero passar a vida lhe ouvindo − ela disse com um leve sorriso.

− Meia hora, para começar, aí você avalia.

− Estamos atrapalhando o footing. Vamos caminhar um pouco.

 

***

 

Foi assim que aquelas duas vidas se encontraram e uma foi se embaralhando com a outra. Marlene era filha única de uma família remediada. O pai, seu Manoel, era dono do principal armazém das redondezas. Dona Zezé, sua mãe, era quem organizava as coroações de Nossa Senhora e, na sobriedade de sua aparência, irradiava uma beleza que a destacava entre as beatas do Padre João. Marlene tinha a quem puxar.

− O que você faz na vida, rapaz?

− Estou cursando a terceira série do científico no Colégio Estadual. No fim do ano vou tentar o vestibular para engenharia.

− Você é católico?

− É claro, seu Manoel, meu pai é vicentino.

− Então eu devo conhecer, como ele se chama?

− Pedro Lino.

− Ah, o Pedro Lino; pobre, mas honesto; isso é o que importa. Você tem futuro, meu rapaz. Se estuda no Colégio Estadual, deve ser muito inteligente, lá só entra a nata ou jovens brilhantes.

Oscar foi admitido como namorado e começou a frequentar o sobrado, a casa mais imponente da Vila Concórdia.

O casal estava muito apaixonado, o que atiçava a vigilância da dona Zezé. O Diabo é tinhoso e ensina astúcias aos enamorados. E os dois caíram em tentação. A sexta-feira seguinte era a primeira do mês e dona Zezé levou a filha para confessar. Padre João demorou mais tempo que o costume para ministrar a absolvição, o que deixou a mãe de orelha em pé.

− Você tem alguma coisa que queira me contar, minha filha?

− Não mamãe, está tudo bem. Padre João é muito antiquado e fica pegando no pé da gente.

A vigilância foi redobrada. Aliás, desnecessária, pois Marlene impôs ao namorado uma abstinência rigorosa: − “Foi uma única vez, a segunda só depois do casamento”. Na volta da lua, a menstruação não veio.

− Fique calma, Marlene, vamos esperar mais um pouco.

− Eu estou grávida, Oscar, eu tenho certeza. Vi os sintomas na Seleções, estou com todos.

− Pode ser rebate falso.

Marlene começou a chorar.

− Você não quer se casar comigo! Quer pular fora!

 − Que isso, Marlene, claro que não! Só queria uma confirmação. Afinal é o meu futuro, o nosso futuro. Casando agora, como eu vou estudar?

 

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Olhando as bolhas do champanhe subindo, Oscar se lembrou de um outro brinde…

 

(Continua no próximo capítulo.)