Então DH saltou. A murada, do outro lado, custava a chegar…

***

Saiu cedo de casa. Copa das Confederações. Dia do jogo Brasil X Uruguai. Feriado. Passou no EPA, onde Dalila trabalhava como supervisora.

− Você vai na manifestação, DH?

− Sei não. Detesto aglomeração, me dá pânico.

− É importante, môr! A gente tem que participar, senão as coisas não consertam.

Dalila mudou sua vida. Ele nunca tinha pensado em comunidade, política, manifestação. Só pensava em futebol e zoar com a turma nos fins de semana. Dalila era ligadona nesse negócio de grupo de jovens. Estava juntando dinheiro para ir ao Rio ver o Papa. Ficou com ela uma, duas, três vezes e não desgrudou mais. Namoro firme. Pensando até em casar.

− Vai, môr! De noite a gente se vê. Cuidado, hein! Não entra no meio do bolo.

Pegou o 5523 na direção da Praça Sete. No fundo do ônibus, os pagodeiros do Conjunto Habitacional faziam um som bonito. Encontrou duas enfermeiras do posto de saúde discutindo com uma senhora:

− Se vocês vão trabalhar só 30 horas por semana, a gente não vai ser atendida nunca.

− A Prefeitura tem que contratar mais gente. Você não acha, DH?

Ele sorriu, mas ficou calado, pensando nas 44 horas de labuta pesada que fazia. Passou pela roleta e tropeçou numa caixa de isopor:

− Você não perde tempo, hein Chiquinho?

− A turma vai ficar com sede depois da passeata.

A Praça Sete estava ficando cheia, o seu ônibus foi o último que conseguiu passar, atrás dele uma avalanche de sem-terra, com suas bandeiras e camisetas vermelhas, bloqueou a praça. DH preferiu descer mais à frente, na Av. Amazonas: “Não fica no meio do bolo”, a voz de Dalila repetia na sua cabeça. Mas a Praça Sete parecia um ímã a atraí-lo e ele foi se deixando levar. Parecia uma festa. Gente de todo tipo, de todas as idades, até crianças pequenas. Viu os pagodeiros do Conjunto se unindo a músicos de outro bairro. As enfermeiras lhe deram o braço, uma de cada lado, e o levaram para onde estavam suas colegas.

− Mas eu sou metalúrgico − ele protestou.

− Metalúrgico é enfermeiro de máquina.

Acompanhou-as, em cortejo, até a Rodoviária. Desvencilhou-se delas ao ver o Chiquinho, que lhe vendeu um latão de Skol.

Parou no passeio e ficou vendo a procissão passar: a turma do PCdoB, defensores dos direitos dos animais, o pessoal do PSTU e do PCR, professores e muitos outros. Passou uma turma protestando contra a Copa das Confederações. Ele entrou no bloco e perguntou a um rapaz, que liderava o grupo, por que ele era contra o futebol.

− Não sou contra o futebol, cara, sou contra o governo gastar uma fábula de dinheiro para promover a FIFA e uma corja de jogadores milionários e encher os cofres da Rede Globo. Se você gosta tanto de futebol, por que não está no Mineirão?

DH ficou calado. Voltou para as margens da manifestação. Viu passar cartazes e faixas reclamando da qualidade do ensino, do atendimento na saúde, da corrupção dos políticos. “É muita coisa errada. Será que adianta protestar?” Dalila soprou de novo em seu ouvido: “A gente tem que participar, senão as coisas não consertam.”

Dalila era demais. Como isso foi acontecer com ele: conhecer uma moça como a Dalila, a morena mais linda que existe, com uma cabeça e um coração … Ela não existe…

− E me ama.

− Falando sozinho, cara? Pega aí, me ajuda a carregar esta faixa.

“Queremos saúde e educação qualidade FIFA”

DH concordava com a faixa, entretanto o que mais o revoltava era não poder assistir ao jogo. “Eles expulsaram os pobres do Mineirão, só bacana pode pagar o ingresso.”

Envolveu-se com a onda da passeata. Gritou palavras de ordem, cantou as musiquinhas. Ficou alegre, estava se divertindo. Quando viu, estava no meio do bolo, em cima do viaduto da Abrahão Caram, na pista que leva ao Mineirão e a polícia jogando gás. A multidão o espremendo. Subiu na murada. Do outro lado a pista vazia. O grande vão entre as duas pistas. O pânico.

DH saltou…